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Sítio arqueológico Planaltina I

O sítio de Planaltina I está sediado na comunidade quilombola de Gurunga, pertencente ao município de Igaporã, localizado na região do Alto Sertão da Bahia.

     O sítio Planaltina I que é classificado em termos de tipologia como um sítio arqueológico histórico, segundo relatório da empresa de arqueologia Zanettine, feito em 2010-2011, esse sítio se caracteriza por trechos de calçamento de pedra, localizados na parte alta da serra que fica no entorno da comunidade. Esses trechos de calçamento, possuía no período da pesquisa feita pela Zanettine, larguras internas de 1,65 a 1,85 metros e externa de 2,0 a 2,25 metros e com inclinações padronizadas, com transversal de 3%; longitudinal de 16% a 28% e muros de arrimo, além de uma área de desvio. Ainda durante as pesquisas foram encontradas nas proximidades da estrada de pedra, como é popularmente chamada pelos moradores da comunidade, alguns fragmentos de cerâmica histórica de produção local/ regional e algumas estruturas que poderiam indicar um possível local de mineração ou de pouso de tropeiros, desses materiais foram coletadas 384 peças. Ao falar sobre as tropas, isso nos leva ao fundamento histórico desse sítio que é datado aproximadamente do século XIX. É de grande probabilidade que esses trechos calçados sejam remanescentes de um dos três ramais que ligavam Caetité às localidades de Malhada, Barra e Bom Jesus da Lapa, nos aponta a pesquisa feita pela Zanettine Arqueologia.

     É comprovado por diversos documento e estudos a existência da estrada real que fazia a ligação de diversas vilas e localidades na região, principalmente na região da Chapada Diamantina, que tinha o intuito de escoamento dos minerais e das pedras preciosas, no entanto, esses trechos localizados na serra da comunidade de Gurunga até o momento não foi citado nessas pesquisas. A tradição oral da comunidade conta que essa estrada de pedra, foi construída pelos escravizados que trabalhavam nas antigas fazendas da região e que ela foi construída em um período em que não estava tendo muito serviço nessas fazendas, e por esse motivo os senhores colocaram os escravizados para construírem essa estrada. Há muito o que se pensar a respeito da construção dessa estrada, mas o mais óbvio que podemos especular seria o de facilitar o trajeto pela serra, que por sinal é muito íngreme e com a presença de muitas pedras e de difícil locomoção, principalmente a pé.

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Vista mais ampla da Estrada de Pedra no ano de 2019. 
Foto: Gurunga, 2019. 

Por:

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Eu sou Marineide Lisboa da Silva, tenho 23 anos, sou da cidade de Rio do Antônio, Bahia, porém já tem mais de cinco anos que estou residindo em Caetité. Sou graduanda do curso de licenciatura em História pela Universidade do Estado da Bahia, no Campus VI, Caetité. Sou apaixonada pela História e por todas as disciplinas com quem ela “troca cartinhas” e recentemente essa paixão se inflamou ainda mais pela Arqueologia. Espero que em breve eu consiga me aprofundar mais nessa área.

       O sítio Planaltina I no primeiro contato nos faz pensar em diversas questões, mas uma das coisas que ele pode nos contar é da relação deste, com a população de Gurunga. Atualmente como nos conta Roseli, professora e moradora da comunidade, hoje algumas pessoas da comunidade passam pela estrada de pedra para irem em busca de plantas medicinais que só encontram no alto da serra ou do outro lado, como por exemplo o barbatimão, que é uma planta muito valorizada por eles. A comunidade preza muito pela conservação da estrada de pedra, pois é através dela que eles fazem a travessia da serra e esse patrimônio também faz parte do que é a comunidade de Gurunga, é uma marca cultural registrada do local. Muitas são as histórias, os “causos” que cercam esse sítio, um deles que aqui transcrevo de acordo com que foi contado por Roseli e por sua irmã, é da existência de uma imagem toda em ouro de uma santa não identificada, que ficava abrigada, ou como eles nos contam, escondida, debaixo de uma pedra em um dos pontos mais altos do trecho da estrada de pedras. Até meados dos anos 2000 segundo os moradores locais, essa imagem continuava no mesmo local, intocada, até que em um certo dia um dos moradores, que reside mais próximo ao pé da serra, passando pelo local observou que a pedra havia sido retirada e recolocada novamente, em seguida foi constatado que a imagem de ouro havia desaparecido. Ninguém sabe quem pegou, não há registros de que de fato tinha essa imagem lá, quem colocou essa imagem nesse local debaixo da pedra, no entanto é uma crença da comunidade e todos relatam a mesma história, que ouviram de seus pais, de seus avós.

     A estrada de pedra também envolve tradição e rituais, a tradição oral de Gurunga nos conta que no processo de construção da estrada houve muita morte e também é relatado que muitas pessoas perderam suas vidas na serra ao tentarem ir em busca de alimentos nos períodos de seca e com o corpo fragilizado pela fome, juntamente com o extremo esforço para subir a serra muitos acabavam morrendo e somente depois é que os demais percebiam a falta e iam à procura do desaparecido e quando chegavam na serra encontravam corpo já sem vida. Por esse motivo é que se tornou tradição, que é ensinada na primeira vez que se fizer a subida da serra pela estrada de pedra, como aconteceu com Roseli, moradora da comunidade, de se jogar em um monte de pedra que fica ao lado da estrada de pedra, um ramo verde, flores ou água nesse local. Isso era e ainda é feito pois se acredita que assim os espíritos daqueles que perderam suas vidas na serra se acalmariam. Os moradores locais chamam esse local de homenagem.

     Em visita ao sítio, em meio a tantos relatos destaco aqui mais um, foi dito pelos moradores que quando alguém falecia em outra localidade, do outro lado da serra, ao chegarem com o corpo na serra, por onde eles desciam para a comunidade pela estrada de pedra, dava-se um sinal de que o corpo do falecido estava chegando, para que a comunidade se preparasse para fazer o sepultamento, esse sinal era um grito, que devido a altura da serra ecoava longe, e assim ao chegarem ao destino final tudo já estava preparado. Para a comunidade esse trecho da possível estrada real, que aparentemente não foi concluída, não é só uma estrada de pedra, para eles ela está ligada aos seus antepassados que perderam suas vidas para construí-la, é um caminho que dá acesso a diversas plantas medicinais, a alguns alimentos como pequi, coquinho licuri, além de fazer parte de sua tradição, de sua cultura.

Trechos da Estrada de Pedra, em um dos pontos altos da serra.   Foto: Comunidade Quilombola de Gurunga, Igaporã, 2023.

Motivo da escolha do sítio:

    A justificativa para a escolha desse sítio foi justamente pelo envolvimento da comunidade, da relação existente entre a comunidade e o local. Observar a importância dessa estrada de pedra para a comunidade, as histórias contadas, as tradições que envolvem o local me instigaram bastante. Um segundo ponto foi a visita feita o local, observar a forma como esse calçamento foi feito, pensar em quanto trabalho de mão de obra escravizada foi empregado para a construção desse local, observar a precisão, as técnicas empregadas para que a estrada de pedra fosse edificada e permanecesse assim por muito tempo, me deixou fascinada com o local.
      Tenho como objetivo com esse material elaborado mostrar a todos a importância desse local para a comunidade de Gurunga, ao mesmo tempo também chamar a atenção para que se desenvolvam pesquisas que possam esclarecer o real motivo de construção dessa estrada de pedra, pois acredito que ela não foi construída atoa, poderia existir um objetivo muito maior por detrás dessa construção. Seria um desvio da estrada real, da qual já se tem conhecimento? Um desdobramento desta? Uma nova estrada que tinha planos de ser construída? Qual seria seu destino? Seria para facilitar o acesso a serra para se fazer alguma exploração de minerais? Para além desses questionamentos ao apresentar esse sítio arqueológico, quero chamar a atenção aos órgãos competentes que precisam fazer uma maior fiscalização a esse patrimônio, pois como foi relatado, algumas pedras do estrada foram soltas devido a prática ilegal de motocross no local. I
sso é gravíssimo visto que a estrada de pedra é um patrimônio histórico, que faz parte do que é a comunidade de Gurunga e que já tem apresentado sinais de ruínas devido à falta de manutenção ao local. Além de poderem elaborar junto a comunidade um projeto de turismo consciente ao local, que além de ter todo seu teor histórico, tem uma linda vista panorâmica de toda a comunidade, chegando a ser possível avistar a cidade de Palmas de Monte Alto, essa iniciativa poderia ser um meio de fortalecer a economia da comunidade, além de conscientizar a todos a importância de preservação do patrimônio.

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Relato de Roseli, professora e moradora da comunidade de Gurunga, sobre a tradição de que toda vez que se passar pela Estrada de Pedra, deve-se depositar um ramo verde, flores ou água em um local ao lado da Estrada de Pedra, em um dos pontos altos da serra. Esse local ao qual eles se referem como “homenagem”. (Roseli, 2023)

Referências:

Trabalho de conclusão de curso de Roseli Souza, ano de 2011.
Programa de Gestão do Patrimônio Arqueológico, Parques Eólicos Renova Energia, Municípios de Caetité, Igaporã, Guanambi, Licínio de Almeida e Pindaí, Estado da Bahia (LER 2010 e LER 2011), disponível no acervo do Museu do Alto Sertão.
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Depoimento e fornecimento de informações e áudios pela professora e moradora da comunidade de Gurunga Roseli Souza.

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